quinta-feira, 7 de agosto de 2014

"NAVEGAR" É NECESSÁRIO... Navegando em outras águas (Jornal Beira do Rio - Ufpa)



Em Afuá, realidade contraria números indicados no 
Mapa da Inclusão Digital, da Fundação Getúlio Vargas

(por Brenda Rachit / Agosto e Setembro de 2014)

O mapa da inclusão digital, trabalho executado pela Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Fundação Telefônica, publicado em 2012, constatou, por meio de pesquisas quantitativas, que o município de Afuá, no arquipélago do Marajó, tem, em média, 0,8% de acesso à internet. Esse percentual reflete o baixo índice de conexão para muitas cidades da Amazônia e é uma das questões discutidas pelo pesquisador Diogo Silva Miranda de Miranda, em sua Dissertação Palafitas digitais: comunicação, convergência, cultura e relações de poder em Afuá, defendida recentemente no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará (PPGCom-UFPA).
Na pesquisa, foram observados outros aspectos, além dos quantitativos, para compreender a reconfiguração do ambiente comunicacional no município. Utilizando a perspectiva metodológica da Cartografia, o pesquisador construiu um método próprio e com elementos da Antropologia, Sociologia e Análise do Discurso. Ele selecionou teorias e procedimentos que mais se adequavam aos seus objetivos.
A proposta inicial era discorrer sobre tecnologias móveis, a “cibercultura de bolso”, pois, na cidade, a popularização da internet está bastante atrelada ao uso crescente dos smartphones. Contudo a pesquisa revelou outros caminhos e Diogo de Miranda propôs-se a “pensar o cenário que se desenvolveu com a chegada da internet e das novas dinâmicas criadas pela maneira como a web se relaciona com outras mídias em uma determinada sociedade”, explica.
O pesquisador reconhece a importância das estatísticas, mas alerta que é preciso estar atento aos contextos específicos de cada região. Em viagens ao município, foi possível observar um consumo de tecnologias digitais muito maior do que aquele constatado no Mapa da Inclusão Digital. “Como posso encarar como verdadeiros esses números se, ao chegar a Afuá, percebo que as pessoas utilizam intensamente os diferentes aparelhos, como o dono do mercadinho que acessa a internet wifi por um Iphone?”, questiona.

Trabalho de campo releva singularidades
O Mapa da Inclusão Digital é elaborado a partir de um recorte do que pode ser mensurado quantitativamente, normalmente considerando os computadores pessoais e as linhas de telefonia fixa. Em muitas cidades da Amazônia, o acesso à internet via celular e tablets é muito mais frequente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do próximo censo, irá considerar essas especificidades, como a rede móvel.
As particularidades afuaenses só puderam ser percebidas quando o pesquisador esteve em campo. Diogo de Miranda viajou três vezes à ilha durante a pesquisa. Muito mais do que descrever Afuá e seus contextos, o pesquisador quis viver a dinâmica da cidade. “Partilhei um universo em comum com esses sujeitos, o que nos tornou próximos, participantes das mesmas dinâmicas e experiências. E isso foi fundamental para entender as questões da pesquisa”, afirmou.
Segundo ele, as estatísticas acabam por reafirmar a compreensão já estigmatizada sobre a Amazônia como um território em “atraso”. “As singularidades da região necessitam de outras perspectivas de análise”, destaca Diogo.
A internet popularizou-se em Afuá entre 2005 e 2007, porém, em períodos anteriores, houve outras tentativas de conectar a comunidade à rede mundial de computadores. Algumas lan houses (centros de acesso à internet) surgiram, mas não conseguiram se sustentar, pois a internet ainda não havia alcançado o cotidiano da comunidade, como as rádios. Diogo observa que o rádio, muito mais do que a televisão, exerce um papel central nas relações sociais dentro da cidade.

Conversas agora se desdobram no ciberespaço
Em Afuá, não há produção de telejornais e o conteúdo regional veiculado pelas emissoras de televisão traz notícias de Macapá e Belém, a maioria das vezes. Por isso, as rádios têm um espaço cativo na comunidade. “As rádios articulam a dinâmica do cotidiano da cidade, dão visibilidade às suas interações sociais”, avalia Diogo de Miranda. 
O atraso na conexão de Afuá à internet também decorreu das inúmeras barreiras físicas, pois o município é localizado em região de várzea. A cidade, também conhecida como a “Veneza Marajoara”, não possui ruas ou estradas, é interligada por pontes e sustentada por palafitas, tornando difícil a instalação de um sistema cabeado de rede. Por isso, a internet foi introduzida via rádio.
“A implementação da telefonia móvel e o sucesso dos celulares no município fizeram com que a internet se popularizasse e fosse incorporada ao dia a dia das pessoas”, explica o pesquisador. Hoje, além da telefonia móvel, há três lan houses bastante frequentadas.
Com a chegada da internet móvel, as pessoas apropriam-se de forma diferente desse recurso e isso ressignificou o contexto sociocultural do município. A partir daí, a interação da comunidade foi além da relação restrita ao rádio e à conversação verbal, ela se desdobrou no ciberespaço. As pessoas passaram a convergir conteúdos dentro do que elas ouvem na rádio, o que vivem e o que produzem na internet. Os radialistas comunicam-se por redes sociais com os ouvintes, ao mesmo tempo em que verbalizam na rádio essa interação.
Ao assumir um papel de mesmo valor daquele exercido pela rádio, a internet ganha forças em Afuá. “Sem a rádio, a internet não seria o que é hoje”, afirma.

Interação com o universo digital é diferenciada
Em 2013, foi inaugurada a primeira praça digital com acesso gratuito à comunidade, tornando-se um espaço coletivo bastante representativo na inclusão digital da cidade. “Por que a Prefeitura investiria em um projeto social pra estabelecer uma praça digital para uma população que teria, em tese, 0,8% de acesso à internet?”, questiona Diogo de Miranda. “É claro que há questões políticas nesse cenário, mas esse fato ilustra a importância que a internet passou a ter na vida dessa população”, avalia.

Mas, assim como na capital, as formas de interação com o universo digital acontecem de maneira diferenciada entre os afuaenses. Segundo Diogo Miranda, infraestrutura e fatores socioeconômicos influenciam diretamente na maneira como cada indivíduo participa desse ambiente e nas formas de apropriação das tecnologias. Além disso, há relações de poder e de disputa entre os indivíduos: quem não está inserido no novo contexto sofre certa marginalização, ao mesmo tempo, quem não participa também exerce algum poder ao obrigar as instituições a criarem condições que permitam a sua participação e a expansão do mercado. 

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